As marcas do parto

Será que os profissionais da assistência obstétrica têm noção das “marcas” que deixam nas mulheres? Aquele pode ser mais um nascimento no dia deles, mas para a mulher é um momento único, transformador e que merece extremo respeito.

Algum tempo atrás, uma mulher que acompanhei me enviou uma pintura que ela fez 3 meses após a chegada do filho. Só agora, 4 anos depois, é que conseguiu colocar em palavras tudo o que viveu em seu parto. Um processo intenso e desafiador, e infelizmente com um desrespeito muito grande em relação às suas escolhas e seu plano de parto.

Lembro que ela estava firme, plena, lidando bem com as contrações. A fase ativa chegou e fomos para a maternidade. Ela com 5 cm de dilatação. Na época não existiam as sala PPP (pré-parto, parto e pós-parto), as Obstetrizes e nem o treinamento voltado à evidências científicas e à humanização no Fornecedores de Cana.

Eu e o acompanhante continuamos a amparar, massagear e a acolher, que mesmo em um espaço bem pequeno, se movimentava conforme seu corpo pedia. Tudo fluindo. E aí se iniciou o processo de iatrogenia,

Toques excessivos a cada hora, mesmo ela dizendo que não queria, imposições da posição deitada para ser tocada e residentes “aprendendo”. Ao chegar no centro cirúrgico, lotado de residentes, foi colocada em litotomia, mesmo pedindo para ficar de quatro ou cócoras. O obstetra, com uma fala ameaçadora e violenta, teria que mostrar aos alunos como seria um parto (ou como não se deveria assistir a um parto).

Nós elevávamos seu tronco para a posição semissentada a cada contração. O obstetra dizia que ela não fazia a força direito e ele teria que “ajudar”, empurrando seu útero. A pediatra achava que estávamos há muito tempo no centro cirúrgico e queria lhe “ensinar” a fazer a força.

Aquele infinito de gente olhando e conversando sobre sei lá o que. Eu dizia a ela para respirar e descansar entre uma contração e outra. Tantos estímulos atrapalhavam seu parir. Me calei, respirei, rezei e foquei toda a força para ela trazer seu filho ao mundo. Ele chegou bem, ela se inundou de felicidade e amor, e mais uma vez não respeitaram seus desejos.

O levaram rapidamente de seu peito, voltaram com ele embalado e praticamente enxotaram eu e o acompanhante da sala de parto. Em seu relato de parto, ela trouxe as marcas que ficaram a cada desrespeito a que foi submetida em um dos dias mais importantes de sua vida.

Como Doula, sinto muito quando tenho que me calar diante de tanta violência obstétrica. Não foi a primeira e nem a última vez que meu coração se rasgou 💔 ao presenciar uma mulher não sendo respeitada em seu Parir.

A chama que trago comigo deste dia é a força e potência que vi nesta mulher. O que acalma meu coração é saber que junto de outras mulheres e pessoas que a amam, com sua cria e sua arte, ela conseguiu digerir, ressignificar e seguir na luta por seu lindo maternar.